Brassagem

     Passo-a-passo ao neófito.


     Lembramos-lhes que cada equipamento possui sua particularidade no processo. Muitas vezes, a criatividade do cervejeiro caseiro frente às vicissitudes de uma brassagem faz com que diferentes soluções, e, por consequência, diferentes elementos do equipamento, surjam.
    Brassagem é o ato da mistura dos insumos para a fabricação da cerveja. Isso se dá com um rígido controle da temperatura dentro de uma rampa pré-programada, para termos pontos ótimos de atividade das diferentes enzimas. A raiz dessa palavra está no latim, braciare, passando pelo francês antigo, bracier, até o contemporâneo termo brasser. Assim, o próprio termo utilizado por nós, Brassaria, está etimologicamente ligado à arte de fazer a cerveja, tendo também uma acepção prática enquanto locus da própria ação da produção.
 
     Uma vez já conhecido nosso equipamento, vamos agora fazer um voo panorâmico pelo processo de produção de uma cerveja na BierGode Brassaria.




     Para iniciarmos a brassagem, antes de mais nada, montamos nossa bancada. Feito isso, é hora de colocar o moinho nela para começar a moer o malte. Aqui, é importante regular os discos do moinho para cada tipo de malte que se vai moer. Normalmente, maltes mais escuros são mais duros que maltes mais claros devido ao processo de secagem – os maltes especiais, após a secagem vão à câmara de torra, onde irão sofrer novo aquecimento para desenvolver novos sabores e aromas.
                Assim, grãos mais duros necessitam dos discos mais apertados. Importante lembrar que a moagem deve garantir que a casca fique o mais intacta possível, pois servirá como um elemento filtrante mais adiante do processo, e o grão deve ser bem quebrado, a fim de facilitar as reações químicas (enzimáticas) que ocorrerão na mosturação, mas não ao ponto de farinha! 

Dica: Comprar a quantidade de malte que será utilizada, pois após a abertura da saca, dificilmente conseguiremos vedá-la o suficiente para evitar deterioração do grão até a próxima brassagem.

     Enquanto o malte vai sendo moído, já colocamos água para esquentar. Primeiro de tudo, a água: faz diferença? Bem, considerando que a cerveja é composta por cerca de 98% de água, o que acha? Claro que faz. Sobretudo, em termos de pH e minerais, como cálcio, magnésio e sódio. Se formos mais a fundo, é possível que concluamos que cada estilo de cerveja terá a sua água, com características particulares em seus elementos de composição. Mas, no nível caseiro, atentar às características é uma boa: água da rede, fornecida pela companhia de água e esgoto, pode ou não ser boa. É fundamental avaliar sua característica que pode ser encontrada na página da companhia. Se optar por água mineral (para quase 40 litros de cerveja usamos 80 litros de água), analise as informações do rótulo quanto à composição.
     Nossa panela tem capacidade para 63 litros, mas trabalhamos com apenas 40 litros de água inicial. Malte moído e fogareiro (foto: fogareiro_panela) aceso para esquentar a água entre 45-50° C, se for preciso de uma parada proteica, ou direto à 67-69° C para uma infusão simples. Na verdade, novamente, cada estilo de cerveja tem uma rampa de temperatura preferencial.
     Com a água quente, é hora de arriar o malte, o processo de imersão dos grãos na água. Não se deve jogar todo o malte moído de uma só vez. É interessante coloca-lo aos poucos a fim de não formar grumos. Muitas vezes a pá cervejeira (ver Equipamentos) pode auxiliar nesse processo. Após arriar todo o malte, deve-se checar a temperatura, pois a tendência do equilíbrio fará com que a temperatura baixe um pouco após a entrada de um elemento mais frio (malte) no meio mais quente (água). O ideal é ter uma chama que aumente a temperatura de 1° C por minuto. No fim, deve-se elevar o fogo a 78° C para inativar as enzimas, o que é conhecido por mash out.
     Após o mash out é hora de separar a água do grão. Essa água separada do bagaço é conhecida como mosto primário. Nesse equipamento, encomendamos um fundo falso (ver Equipamentos) que atuará nessa separação. Com uma leiteira passamos todo o conteúdo da panela para outra panela com fundo falso. O processo deve ser feito com cuidado, sem maiores agitações, pois é nesse momento que a cama de malte se construirá. Essa cama é importante para clarificar o mosto. Há um erro nessa foto. A passagem está se dando no chão. Depois elevamos a panela para uma bancada. Hoje em dia isso não é mais feito assim, pois ao elevarmos a panela há uma agitação que faz passar alguns grânulos pela peneira de metal. Assim, colocamos a panela com fundo falso sobre a bancada antes de iniciarmos a passagem do conteúdo para ela. Nesse momento, é importante colocar água para esquentar, pois essa água servirá para lavar o bagaço do malte. Usamos uma panela de 30 litros para esta atividade.
         











Rudolf Schützer em seu equipamento
     Há outra possibilidade: ao invés de usar o fundo falso é possível trabalhar com uma bazuca, como é chamada. Um tubo de malha de metal, todo furado – funcionará com um filtro. Nesse esquema, não é necessário todo o cuidado para transferir o conteúdo entre as panelas podendo apenas jogar o líquido. Só um detalhe: por que é importante essa transferência? Porque ao cozinhar o malte, é importante mexer a mistura enquanto o fogo estiver ligado. Com bazuca ou fundo falso, mexer fica mais restrito, podendo ficar grãos no fundo que serão caramelizados, o que não queremos, pois isso implicará em alterações no sabor, aroma e cor da cerveja.










Recirculação do mosto












          O próximo passo, após toda a massa de malte estar sobre o fundo falso, é fazer uma recirculação do líquido para que este seja clarificado, pois no mosto primário contém partículas em suspensão. É através da recirculação que ficará mais límpido, pois estas partículas que estão suspensas no mosto vão se prendendo na cama de malte ao longo da panela. O importante é não agitar o conteúdo com o mosto que voltará à panela. Dessa forma, é essencial usar uma escumadeira para o líquido cair na forma de chuveirinho, o que evita a formação de canais preferenciais. A importância em homogeneizar a descida do líquido é a lavagem que também será feita: após verificar um mosto mais límpido, este será transferido a outra panela para dar início à fervura. Enquanto o mosto vai escoando para outra panela, adiciona-se água quente (no máximo a 75°C) na panela com o bagaço, pois esta água lavará o malte, ou seja, irá levar para a panela de fervura uma água rica em açúcares que não se desprenderam totalmente.




   










     Note que há uma diferença entre essas duas últimas fotos: a pá cervejeira apoiando a descida do líquido. Faz diferença na prática? Sim, pois o mosto descendo feito cachoeira vai aerar o líquido da panela de fervura ocasionando oxidação. Resultado: mosto mais escuro!

Dica: a torneira não mais será fechada uma vez aberta, pois há um fenômeno conhecido em hidráulica por Golpe de Aríete, que é a volta do líquido para seu meio após ser bruscamente interrompido (no caso, pelo fechamento da válvula da torneira). Nesse caso, o golpe admissível é mínimo. Assim, é interessante manter o fluxo do mosto pela torneira a fim de evitar variações na área abaixo do fundo falso, para que partículas sólidas indesejáveis não adentrem ao mosto. Para que isso ocorra, dois recipientes são utilizados, os quais são revezados para manter sempre o fluxo da torneira.



     Após a clarificação completa, deixar o mosto fluir para outra panela, a qual já foi lavada e está apoiada no fogareiro, pois o mosto vai sendo aquecido até a panela ficar completa: isso faz com que ganhemos tempo no iniciar da fervura (imagine o tempo que leva para ferver 40 litros de líquido). Essa passagem é feita com uma mangueira de silicone colocada no espigão da torneira, pois quanto menos mexido/agitado for o mosto, menor será sua oxidação, evitando que fique mais escuro.
     Outro detalhe: é importante não deixar a cama de malte exposta ao ar, pois pode também oxidar, deixando sabores indesejáveis na cerveja. O ideal é sempre manter uns dois ou três dedos de água acima da cama de malte (isso se dá com a água de lavagem do bagaço) - mas sem dramas quanto a isso, pois o grande impacto está na produção de maior escala, com uma área de exposição ao oxigênio que é considerável.
     Assim, a panela de fervura vai se completando com mosto. O fluxo é interrompido quando a densidade pré-fervura foi alcançada.
Adição de lúpulo no mosto em fervura
     Na fervura – que tem em média 60 minutos – , é bom conseguir visualizar boas bolhas surgindo na superfície do mosto. Será nesse momento que temperaremos nosso líquido com lúpulo. Na verdade, há uma programação prévia para a adição do lúpulo, pois, grosso modo, mais tempo na fervura, desprendem-se óleos responsáveis pelo amargor; menos tempo, substâncias responsáveis pelo aroma. Pode-se, inclusive, adicionar lúpulo imediatamente após desligar o fogo: momento 0 da fervura, para adicionar aroma. Nessa foto, o lúpulo adicionado está em pellet, mas podemos encontra-lo também na forma de extrato ou de flor.




Chiller de imersão em cobre
     Após a fervura, devemos resfriar o mosto para inocular o fermento. Usamos um chiller de imersão (ver Equipamentos). Segundos antes de a fervura terminar introduzimos o chiller na panela para esteriliza-lo. Uma ponta é conectada em uma bomba de máquina de lavar roupas que está ligada à saída de uma caixa térmica. Esta é preenchida com água e gelo. A bomba faz circular uma água gelada por dentro do chiller que está imerso no mosto e, por sua vez, troca calor com o líquido baixando sua temperatura. A água quente que sai do chiller é armazenada nos galões de água mineral comprada para a brassagem a fim de termos água quente para lavar o equipamento e o chão após a brassagem, pois o mosto é doce e, quando seco, gruda no chão atraindo insetos indesejáveis! Mas, há ainda um outro passo: whirpool. Na verdade, este processo deve ser feito antes mesmo de resfriar (no caso de utilizar o sistema de contra fluxo) ou no início do momento do resfriamento (para um chiller de imersão). Trata-se de um movimento mecânico em círculos realizado com a pá (fazemos com o cabo) para que um rodamoinho se forme no centro. Enquanto a temperatura vai baixando o whirpool vai fazendo seu efeito: reúne as partículas de lúpulo e demais substâncias no centro e no fundo da panela. Assim, quando a trasfega é feita, garante-se um mosto livre de boa parte de sólidos.




Whirpool






O processo, para baixar a temperatura – resfriamento – de quase 100° C para aproximadamente 20-25° C leva em torno de 30 minutos (foto: 11-resfriamento). Outra saída – que não utilizamos – é um sistema de contra fluxo (foto: 11a-resfriamento; 11b-resfriamento). Nesse caso, o balde à frente da panela está cheio de ácido peracético, o qual vai percorrer todo o caminho interno – exatamente por onde passará o mosto. Após sanitizado, uma mangueira é colocada na panela, que vai puxar o líquido, e outra parte é conectada à mangueira de água. Após o líquido percorrer toda a serpentina estará na temperatura ideal de inoculação do fermento.



     Feito isso, e passado o mosto para o barrilete de fermentação – trasfega –, vamos ao fermento. Ele pode vir de duas formas: em pó ou líquido. Qual é a melhor? A que lhe agradar mais, claro. Mas, algumas considerações: existem menos de 10 cepas de fermento seco e mais de 100 de fermento líquido. Essa diversidade evidencia algo? Sim, evidencia que o fermento líquido é mais preciso, ou seja, já foram selecionadas cepas que desenvolvem aromas e sabores específicos para certos estilos de cerveja, ao passo que os fermentos secos são mais “genéricos”. Porém, o trato é diferente: o fermento seco exige uma hidratação prévia apenas – ferver uma água e baixar sua temperatura a 25-30°C; importante tampar o recipiente até que a água esfrie e mantê-lo tampado após a hidratação – e o fermento líquido, um starter, ou seja, é preciso coloca-lo para reproduzir antes da inoculação. Na verdade, para um mosto de apronte de 20 litros, um tubinho de fermento líquido estará bom, sem starter. Mas para nosso volume – cerca de 40 litros –, é bom duplica-lo: normalmente, 1 litro de mosto e 24 horas no stir plate (ver Equipamentos) é suficiente para ter o número de células dobrado.
     Após a inoculação do fermento é costume aerar/oxigenar a mistura. Isso é feito chacoalhando o barrilete. Com isso pronto, hora de colocar o precioso líquido para descansar em uma temperatura agradável às leveduras: para cervejas do tipo ale, entre 17 e 24°C, para do tipo lager, entre 7 e 15°C. Utilizamos 2 barriletes (50 litros) e 2 baldes (20 litros), totalizando 140 litros. Porém, nunca completaremos essa medida com cerveja, pois é necessário um espaço de ar (oxigênio) para a fermentação ocorrer bem (ver Equipamentos). Do contrário, vazará cerveja pelo air lock. Assim, com esse freezer horizontal de 500 litros, é possível manter uma produção de aproximadamente 100 litros finais. Para tanto, como a panela é de 63 litros – o que gera uma brassagem de 35-40 litros de cerveja pronta –, é necessário fazer 3 brassagens, na sequência – ao menos uma a cada dia consecutivo –, para tal volume.
     A fermentação não é uma ciência exata. Sim, mas quantos dias para fermentar? Depende... da graduação alcoólica da cerveja – quanto mais alcoólica, mais tempo de fermentação –, do tipo de levedura – se ale ou lager – e, claro, da quantidade de fermento colocada. Em média, trabalhamos com um período de uma semana para ale e quase 2 semanas para lager. Após esse período, transfegamos a cerveja para outro barrilete a fim de maturá-la, o que levará mais alguns bons dias de espera. Novamente – e você já deve estar percebendo a complexidade que é o processo de produção de cerveja dado a diversidade de estilos –, para cada estilo há um período de maturação preferencial, mas, em média, calculemos de 3 a 4 semanas.
     Muito bem... cerveja maturada, e agora, posso beber? Poder, pode, mas estará sem gás algum! O próximo passo: carbonatação. Isso se dá através de uma maneira forçada, com cilindro de gás carbônico conectado a um post-mix (ver Equipamentos) ou através da adição de açúcar invertido (açúcar + gotas de limão + água => fervido), chamado de priming. Normalmente não se ultrapassa a casa dos 10 gramas de açúcar por litro de cerveja – pois há o perigo de as garrafas explodirem.
   Após a fervura, todo processo exige o máximo de cuidado – leia higiene – para evitar contaminações. Assim, tudo que receberá a cerveja deverá ser previamente sanitizado – com ácido peracético. No caso de engarrafar a produção:


     Todas as garrafas estão limpas e sem rótulos. A dinâmica é sanitizar o barrilete com graduação em litros que receberá a cerveja – assim, poderemos ter uma ideia de quantos litros finais realmente temos a fim de calcular o priming. O ácido peracético que está no barrilete, passado 20 minutos, preencherá as garrafas. Depois, colocamos um adaptador na torneira do barrilete, um pedaço de mangueira unido por uma braçadeira a um caninho de plástico, o qual toca o fundo da garrafa para que seu preenchimento se dê de baixo para cima a fim de evitar bolhas e espumas. Repare que ao lado do barrilete há sua tampa com um líquido e tampinhas: sanitização das tampinhas!






 















     Com a garrafa cheia, é hora de colocar a tampinha e descer a mão no tampador. Agora, é hora de colocar as garrafas para dormir em um local fresco, arejado e escuro. Isso fará com que as leveduras voltem à atividade e consumam todo o açúcar (priming) presente no líquido, produzindo álcool e gás carbônico, o qual realmente queremos. Será esse gás carbônico que carbonatará nossa cerveja. Esse processo leva, em média de 7 a 10 dias. Assim, após cerca de 1 mês e meio após nossa brassagem, teremos o incomensurável prazer de deleitarmo-nos com nossa cria... Saúde!!!




2 comentários:

  1. Gostei, li tudo com atenção e vou procurar decorar os termos técnicos. É empolgante. Deu vontade de fazer, e olha que eu sou é dos vinhos.

    ResponderExcluir
  2. Gostei, li tudo com atenção e vou procurar decorar os termos técnicos. É empolgante. Deu vontade de fazer, e olha que eu sou é dos vinhos.

    ResponderExcluir